quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O C da cuestão








Até o final dos anos 90 se houvesse um equívoco e, em vez de “Classe média” se escrevesse “Classe Médica”, isso não causaria nenhum desconforto aos abnegados doutores.
As políticas econômicas e sociais feitas a partir do início do novo século, no entanto, causou furor à elite profissional da saúde. Mas seria muita injustiça incutir à tão importante classe a exclusividade dessa víscera.
Se ignorarmos o cume da pirâmide, só a pontinha mesmo, lá onde fica meia dúzia de gato pingado jogando Polo, golfe, ou algo que o valha, e adotarmos uma classificação definida a partir de critérios relativos à sociologia do trabalho, podemos, segundo definição do sociólogo americano Wright Mills, dividir a sociedade em cinco camadas.
Lá em cima, curtindo o excelente clima montanhoso, estaria a alta classe média, composta por médicos, engenheiros, alguns empresários, etc. Logo abaixo, na ordem, seguiria a média classe média, com o perdão do trocadilho, a baixa classe média, a massa trabalhadora e, por fim, e sempre por último, os miseráveis (não os de Victor Hugo, mas assim considerados aqueles que recebem menos de 1 salário mínimo mensalmente).
A tabela a seguir é clara na demonstração da alteração de classe, notando-se expressiva redução dos considerados em condição de miséria e igualmente expressivo incremento da classificada “baixa classe média”.




É mais que óbvia a melhoria dos padrões de vida das classes economicamente mais inferiores e isso se deve à volta do crescimento econômico, aliada às políticas sociais e de valorização real do salário mínimo.
Nesse ponto merece destaque o que a mídia, em geral, adotou como foco da cuestão, atribuindo ora ao Bolsa Família, ora às virtudes neoliberais (sic), as melhorias ocorridas no período, subvalorizando quaisquer programas desenvolvidos no governo Lula.
Essa ênfase midiática, que de modo algum pode ser subjugada, confunde a opinião pública e faz com que a “nova classe média”, composta por 64% das empregadas domésticas e 54% de chefes de família de baixíssima escolaridade, comemore essa “ascensão”.
O conceito de “nova classe média” foi criado pelo já mencionado W. Mills, referindo-se à expansão dos empregos de colarinho branco, assim definido em decorrência das alterações ocupacionais advindas da II Revolução Industrial, e em nada se confunde com a nossa “antiga” classe C.
Com efeito, quanto mais desenvolvido o país e melhor sua estrutura ocupacional, melhores serão os empregos oferecidos, questão fundamental para o desenvolvimento social.
A análise do crescimento da classe média, entretanto, não pode ser feito por meio de dados puramente estatísticos, tampouco – e muito menos – sem a presença de um Estado forte e atuante, como o da Europa dos Anos Dourados, em que se via a um só tempo, a busca do pleno emprego e uma ampla estrutura estatal de proteção social.
Já no Brasil, essa camada foi criada sob o dinamismo econômico e a profunda desigualdade social que marcou o período do Milagre Econômico, o que acaba fazendo com que haja a exploração desses serviços muitíssimo baratos, tornando a rotina dessa classe, muitas vezes, mais confortável do que a classe média dos países desenvolvidos.
Nossa classe C está longe dos padrões e estilos de vida característicos do novo seguimento social de W. Mills. Composta por auxiliares de escritório, vendedores, garçons, professores primários, policiais, auxiliares de enfermagem, etc., essa classe tem carências de toda sorte.
Ou seja, não se desconhece as melhorias ocorridas nessas classes, mas não se pode, simplesmente por meio de análise estatística, deduzir a estrutura de classes de uma sociedade capitalista moderna, há, necessariamente, que se considerar toda sua constituição histórica.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom!