segunda-feira, 16 de abril de 2012

Resumo alguns sentimentos modernos em matéria de justiça.

O julgamento que conta é o da nossa consciência. A prova disso: fazemos, desde o século XVII, uma bela diferença entre o que é legal e o que é justo. Condenados por excesso de velocidade na Dutra, entendemos que 130 km/h seja ilegal, mas nós conhecemos as razões de nossa pressa e só nós sabemos se, ilegal ou não, nossa velocidade era justa ou injusta. Nesse caso, a gente erige nosso foro íntimo como corte suprema. As coisas eram mais simples quando, nem tanto tempo atrás, achávamos que a decisão podia ficar na mão de um Deus que se expressaria publicamente. Acusados, caminharíamos sobre a brasa e seríamos inocentados se nossos pés não queimassem. Também devia ser mais simples quando podíamos delegar a justiça (não apenas a legalidade) a um sábio, príncipe ou representante de Deus, ao qual reconheceríamos o poder de proclamar, incontestado, se somos culpados ou inocentes. Ora, tantas cortes singulares e inevitavelmente contraditórias não poderiam regrar eficazmente nossa vida social; resignamo-nos, portanto, a um compromisso: consideramos justo e toleramos que um júri de outros humanos (cujo foro íntimo seria comparável ao nosso) escute as acusações e os argumentos de defesa e, assim, nos condene ou nos inocente. (Contardo Calligaris, Terra de ninguém)





Julgamentos Subjetivos


Trata-se de um tema, sem dúvidas, de inesgotável discussão, cujo empenho da filosofia, da psicologia, das ciências sociais em geral, é apenas abrandar e tornar possível essa convivência com o que se é justo para determinado indivíduo ser absolutamente díspar em relação a outro.

A diferença entre o que é legal e o que é justo tem, sob determinado prisma, critérios objetivos; possui num outro olhar, no entanto, uma carga altamente subjetiva. A princípio, o que é legal, aquilo que se encontra literalmente disposto em regras jurídicas, só ao juiz cabe, e ainda assim num campo bastante restrito, analisar se há ou não justiça. O que ocorre de forma oposta no momento da elaboração de determinada norma, em que sujeitos analisam o que é importante para a sociedade e elaboram regras que devam ser seguidas, segundo critérios subjetivos, conquanto democráticos.

Na atual sociedade ocidental, o poder de julgamento tornou-se fato de abrangência tamanha que é mister que se crie restrições quanto a sua legitimação. É inerente ao ser humano o conflito que se cria diante de situações que não se coadunam com os seus valores, sejam morais, éticos ou religiosos. Com isso, e diante da impossibilidade de haver julgamentos legítimos acerca de cada um e perante cada sujeito que se faz corte, a única medida eficaz é delegar tais julgamentos a pessoas pré-determinadas para o feito.

A ideia que se extrai, então, é a impossibilidade de se impor limites a que sejam feitos julgamentos individuais, posto que aos pensamentos, aos sentimentos, às razões, não se é dado colocar rédeas, não obstante a inafastável necessidade que há em colocá-las, o que se faz outorgando-se esse ônus a terceiros devidamente legitimados.