quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Com açúcar, com afeto e com razão!

 


Chico Buarque (@chicobuarque) não cantará mais “Com açúcar, com afeto” ao vivo!!!

Se Juca Kfouri (@blogdojuca) tem razão em dizer que as músicas de Chico têm tudo a ver com futebol (com o que concordo) e suplicar para que ele reveja essa posição, há que se dizer também que sua obra tem absolutamente tudo a ver com as lutas da classe trabalhadora, as lutas femininas, e com suas guerreiras, as feministas.

No mundo, o modo de produção prevalecente durante a Idade Média foi o Feudalismo, cujo trabalho se dava, basicamente, de três modos, o escambo, a agricultura de subsistência e o servil. As mulheres estavam sujeitas às ordens do pai, e depois do marido.

No Brasil, após a invasão de 1500 e com o natural interesse dos invasores portugueses no apoio dos proprietários de terras, até então uma das únicas formas de poder, houve um grande entrosamento entres esses povos (invasores e latifundiários). Com isso, houve também, naturalmente, o entrelaçamento dos papeis que as mulheres ocupavam na sociedade.

Ocorre que, à época, aqui nas terras tupiniquins, o escravagismo corria solto como modo de trabalho. Às escravas cabia o papel de serviço na limpeza, na cozinha e na esfera sexual.

E esse foi o Brasil que se criou, que (quase) se desenvolveu e que hoje está onde está. 

Continuemos ouvindo Chico com nossos ouvidos, cada um ouve o que a vida lhes impôs. Mas é um direito dele ouvir o pleito das feministas e não querer mais cantar uma música que retrata, embora com ironia, quase que fielmente o cotidiano, ainda, de milhões de brasileiras!

É tempo de transição, e pra mudar são necessárias radicais mudanças. E Chico tem tudo a ver com isso...

Não é difícil ver que para os latifundiários (os mesmos da época e os atuais milionários), pouca coisa mudou! Mas querer forçar as mulheres (as mesmas da época e as atuais), a se manterem inertes, em silêncio e sem o direito de gritar? 

Às favas, meus camaradas!!! 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Tentando entender os Minions...


 

Jair Messias Bolsonaro, a quem se dará a alcunha de Messias, iniciou sua vida pública em 1989, se elegendo vereador pela capital fluminense. Na sequência, antes de terminar o mandato para o qual foi eleito, elegeu-se deputado federal, em 1991, mesmo ano em que Fernando Collor for eleito.

Após sete reconduções no legislativo, tornou-se Presidente do Brasil. Evidentemente, não pelo seu brilhantismo como legislador. Você, que votou em Messias, sabe muito bem que não votou por sua atuação na Câmara.

Pois bem.

A construção de um Brasil moderno, cujos primeiros passos foram dados na secunda metade do século XIX, tem sua grande ascensão após a Revolução de 1930, em que se inicia um processo de acumulação assentado na expansão industrial.

Mesmo com o Brasil vivendo o que se chamou de milagre econômico, não houve as reformas estruturais básicas, a exemplo da reforma agrária, foi uma expansão com traços absolutamente plutocráticos: um desenvolvimentismo conservador, em lugar de um desenvolvimentismo democrático.

Nesse cenário, o Brasil chega aos anos 80, nas palavras de Celso Furtado, com uma sociedade deformada e fraturada.

Aqui começam as dúvidas.

Quem viveu a década 1980 há de lembrar da ruptura com o padrão desenvolvimentista das décadas anteriores. Quem não viveu, basta procurar saber que foi o momento do aprofundamento da crise internacional que, aliado ao colapso do Acordo de Bretton Woods, fez com que os Estados Unidos promovessem o choque de juros, o que, na prática, levou diversos países da periferia endividados, à bancarrota.

Passou-se pela década, com a economia estagnada (aumento médio de 0,9%), mas, no alvoroço social da liberdade após a repressão de 20 anos. Na economia, segundo o Professor Luiz Gonzaga Belluzzo, a contenção do colapso foi feita por meio de uma ampla socialização dos riscos.

A partir da década de 1990, houve grandes mudanças no cenário econômico mundial, que ditaram o padrão a ser seguido pelos países periféricos: NÓS. O início da década foi marcado por severa crise econômica, com um cenário monetário absolutamente instável, com sucessivos planos malfadados, Plano Cruzado, 86; Plano Bresser, 88; Plano Verão, 89; Plano Brasil Novo (Plano Collor), 90, Plano Collor II, 91... inflação mensal próxima a 100%!

As tentativas de conter as crises impostas criou um cenário de desmantelamento das instituições, favorável, portanto, a um novo plano de estabilização. Assim, no final de 1993, surge o Plano Real, trazendo sua aparente estabilidade financeira, ocultando o fato de ter se sustentado por emissão de dívida pública com elevadíssima taxa de juros.

No final de 1998, com a severa crise, o país pactou um novo modelo de política econômica com o FMI, cujo tripé persiste até hoje: meta inflacionária, câmbio flutuante e política fiscal contracionista. Segue-se, então, sucessivos pactos com o Fundo Monetário Internacional, do qual o Brasil só se vê livre em 2005.

De onde, raios, o pessoal que viveu tudo isso, acha que a ditadura foi boa, “ao menos economicamente”, e que FHC salvou o Brasil?

Esse público, hoje, se divide, basicamente, em dois: Os Minions e os Amoedors.

Os segundos, são os primeiros arrependidos, e é interessante saber o porquê de considerar boa aquelas épocas. A vida era melhor? E, óbvio, não me refiro a hoje, em meio a uma pandemia e sendo governados pelo Messias do Caos.

Os primeiros... bem, os primeiros não me interessa saber o que acham, porque só acham, não pensam!

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Floyd explica




Há dias (re)publiquei um excerto do perfil social de um Professor da faculdade. O texto, entre outras coisas, dizia que só deveria comentar quem também publicasse o experimento. Segundo consta na rede, como diz Pedro Cardoso, antissocial publicada, possuo 2667 amigos, no entanto, é provável que nessa vida eu não conheça esse número de pessoas.
Pois bem. Dentre os 1,76% que se manifestou, 10% seguiu o que lá estava escrito, ou seja, dos 2667 ‘amigos’ que lá possuo, 0,17% fez uma leitura atenta. Isso remete ao texto que redigi há mais dias, expondo estudos que alertam para a falta de leitura e a consequência disso na empatia.
A empatia, segundo Aurélio Buarque de Holanda, é a “capacidade de identificar-se com o outro”.
Na terça-feira, 2/6/2020, data em que se comemorou 57 anos da abolição da escravatura na Arábia Saudita (Wikipedia), último país a promover o ato, uma criança, negra, de 5 anos, morreu, após sua mãe se descuidar e abandoná-lo para passear com um animal de estimação.
A ressalva é que o descuido foi obrigatório e o animal não era seu. Era de sua empregadora, uma mulher da elite nordestina, loira, que não pôde dispensar dos serviços domésticos sua serviçal, tampouco poderia o pobre cachorro ficar sem sua caminhada diária, só pelo fato de estarmos em meio a uma pandemia.
Pode-se e deve-se culpa a fulana que, sem um pingo de empatia, matou o filho – negro – de sua empregada doméstica – negra. Mas isso não basta. É preciso analisar as origens disso.
Quando essas terras foram invadidas, por volta de 1500, havia cerca de 1 milhão de pessoas aqui vivendo, povos indígenas distribuídos em cerca de, no máximo, 2 mil aldeias (Ribeiro, 1995).
Invadidas, vilipendiadas, lucrou-se, a princípio, sobretudo com a mão-de-obra mais barata e abundante que havia: a negra!
Mantidos como objetos, formalmente, até 1888, o Brasil inventou um novo modelo de estruturação societária, ainda segundo Darcy Ribeiro, com um tipo renovado de escravismo, cuja servidão é continuada.
Ele tinha razão. E continua até hoje.
Sinto pelo desastre do menino Miguel, sinto muito pela mãe e pai dessa criança, mas penso que sinto mais pelas pessoas que normalizaram isso, olhando tudo em 4k, publicando suas hashtags e conferindo quantos passos o cachorrinho andou...

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O C da cuestão








Até o final dos anos 90 se houvesse um equívoco e, em vez de “Classe média” se escrevesse “Classe Médica”, isso não causaria nenhum desconforto aos abnegados doutores.
As políticas econômicas e sociais feitas a partir do início do novo século, no entanto, causou furor à elite profissional da saúde. Mas seria muita injustiça incutir à tão importante classe a exclusividade dessa víscera.
Se ignorarmos o cume da pirâmide, só a pontinha mesmo, lá onde fica meia dúzia de gato pingado jogando Polo, golfe, ou algo que o valha, e adotarmos uma classificação definida a partir de critérios relativos à sociologia do trabalho, podemos, segundo definição do sociólogo americano Wright Mills, dividir a sociedade em cinco camadas.
Lá em cima, curtindo o excelente clima montanhoso, estaria a alta classe média, composta por médicos, engenheiros, alguns empresários, etc. Logo abaixo, na ordem, seguiria a média classe média, com o perdão do trocadilho, a baixa classe média, a massa trabalhadora e, por fim, e sempre por último, os miseráveis (não os de Victor Hugo, mas assim considerados aqueles que recebem menos de 1 salário mínimo mensalmente).
A tabela a seguir é clara na demonstração da alteração de classe, notando-se expressiva redução dos considerados em condição de miséria e igualmente expressivo incremento da classificada “baixa classe média”.




É mais que óbvia a melhoria dos padrões de vida das classes economicamente mais inferiores e isso se deve à volta do crescimento econômico, aliada às políticas sociais e de valorização real do salário mínimo.
Nesse ponto merece destaque o que a mídia, em geral, adotou como foco da cuestão, atribuindo ora ao Bolsa Família, ora às virtudes neoliberais (sic), as melhorias ocorridas no período, subvalorizando quaisquer programas desenvolvidos no governo Lula.
Essa ênfase midiática, que de modo algum pode ser subjugada, confunde a opinião pública e faz com que a “nova classe média”, composta por 64% das empregadas domésticas e 54% de chefes de família de baixíssima escolaridade, comemore essa “ascensão”.
O conceito de “nova classe média” foi criado pelo já mencionado W. Mills, referindo-se à expansão dos empregos de colarinho branco, assim definido em decorrência das alterações ocupacionais advindas da II Revolução Industrial, e em nada se confunde com a nossa “antiga” classe C.
Com efeito, quanto mais desenvolvido o país e melhor sua estrutura ocupacional, melhores serão os empregos oferecidos, questão fundamental para o desenvolvimento social.
A análise do crescimento da classe média, entretanto, não pode ser feito por meio de dados puramente estatísticos, tampouco – e muito menos – sem a presença de um Estado forte e atuante, como o da Europa dos Anos Dourados, em que se via a um só tempo, a busca do pleno emprego e uma ampla estrutura estatal de proteção social.
Já no Brasil, essa camada foi criada sob o dinamismo econômico e a profunda desigualdade social que marcou o período do Milagre Econômico, o que acaba fazendo com que haja a exploração desses serviços muitíssimo baratos, tornando a rotina dessa classe, muitas vezes, mais confortável do que a classe média dos países desenvolvidos.
Nossa classe C está longe dos padrões e estilos de vida característicos do novo seguimento social de W. Mills. Composta por auxiliares de escritório, vendedores, garçons, professores primários, policiais, auxiliares de enfermagem, etc., essa classe tem carências de toda sorte.
Ou seja, não se desconhece as melhorias ocorridas nessas classes, mas não se pode, simplesmente por meio de análise estatística, deduzir a estrutura de classes de uma sociedade capitalista moderna, há, necessariamente, que se considerar toda sua constituição histórica.

sábado, 14 de setembro de 2019

Tempos mais que modernos





Chaplin, quando encenou um dos mais clássicos filmes de todos os tempos, estava retratando as mudanças estruturais vividas à época. Era a Revolução Industrial dando os primeiros passos em direção ao abismo...
É evidente que a industrialização trouxe consigo uma infinitude de benefícios, mas trouxe, de outra banda, talvez aquela que seja a pior das consequências: a falta de empatia. Estudos desenvolvidos na Universidade de Stanford mostraram um declínio de 40% na empatia da população jovem nas últimas duas décadas. Não por outro motivo foi aceso um sinal de alerta com relação ao suicídio.
Isso se dá, em parte, pela falta de leitura no mundo atual. Refere-se, aqui, à leitura profunda, àquela capaz de envolver nossos sentimentos, não à rasa, à de limite de 180 (?) caracteres.
O que ocorre, todavia, é que os novos tempos, esses mais que modernos, nos levam, invariavelmente, a cair nas ciladas tecnológicas. Tem como ir em sentido contrário?
Ernest Hemingway, escritor norte-americano do século passado, provocado por um grupo de amigos, talvez inquietos com sua genialidade, aceitou um desafio a ele proposto, o de escrever um conto com apenas 6 palavras. Não só aceitou como fez um de seus melhores contos:

“For sale: baby shoes never worn.”
“Vende-se: sapatos para bebês nunca usados.”

Isso, a par de demonstrar a teimosia e comprovar a genialidade do ianque, atesta, dentre tantas outras coisas, o poder que a imagem tem no nosso cérebro (ou seria o poder que nosso cérebro tem de, ao mesmo tempo que cria uma imagem, também constroi um turbilhão de sentimentos?)
Bom, seja como for, a preocupação que urge nos tempos atuais é que essa falta de empatia tem ligação direta, inclusive fisicamente falando, com o esquecimento da leitura mais profunda. E, repise-se, há outra maneira?
Não há resposta pronta, tampouco correta, mas é fato que essa nova Revolução Industrial, a chamada Revolução 4.0, está aí e, como as anteriores, modificará sobremaneira a vida social como um todo.
Um dado que comprova essa avalanche a caminho, é o apresentado pelo Professor da Universidade de São Paulo, Dr. Paulo Feldmann, ao afirmar que segundo estudos de Streeck, na Europa, em 20 anos, se nada for feito, a taxa de desemprego atingirá 70% da população. No Brasil, ainda segundo Feldmann, em 1990, a quantidade de empregados no setor bancário era de 1.700.000, ao passo que hoje, em 2019, há menos de 300.000. O Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Dr. Denis Maracci, no mesmo encontro fez o alerta que até 2030 70% dos empregos serão automatizados.
Ou seja, estamos vivendo uma dicotomia social, pois ao mesmo tempo em que é necessário, sob pena de exclusão sócio-econômica, que se atente aos avanços tecnológicos, é imprescindível que se recorra ao velho e esquecido hábito da leitura, sob pena de, controlando robôs, nos tornarmos um deles.
Esse é um texto sem conclusão, ao menos no que diz respeito aos dias vindouros, mas, como comprovado por Hemingway, os sentimentos, notadamente os alheios, tão esquecidos quanto o hábito da leitura, pode nos levar dos mais belos horizontes às mais profundas trevas.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Política econômica e sua estreita ligação com o mercado de trabalho brasileiro






O período que compreende os anos de 2003 a 2014 foi muito importante para a história econômica brasileira, notadamente até 2008.
Sabe-se que o período que antecedeu, com severas políticas neoliberais, conquanto tenha, a princípio, estabilizado a economia, com a implantação do Plano Real, ainda no Governo Itamar, deixou o País numa situação bastante difícil, cujo crescimento econômico fora de pouco mais de 2% ao ano.
Pois bem.
No período referido, a economia passou a crescer cerca de 5% ao ano.
Essa elevação no ritmo de crescimento teve impacto em várias áreas, a exemplo da geração de empregos, da redução da taxa de desemprego, melhoria da estrutura ocupacional e de rendimentos, aumento da proporção de ocupações sob a tutela da legislação trabalhista e, fundamentalmente, a grande redução da desigualdade social.
Além do crescimento econômico e, na verdade, consectário lógico dele, o mercado de trabalho brasileiro recebeu importantes impactos positivos, com uma política de valorização do salário mínimo, o já citado crescimento da fiscalização trabalhista, da atuação sindical, de políticas públicas voltadas à área social e do trabalho, entre tantos outros.
Um quadro que denota muito bem essa realidade é o primeiro, a seguir, mostrando a taxa de formalização do mercado de trabalho no Brasil; o outro estampa o volume de crédito livre para pessoas físicas no Brasil (em % do PIB):




É certo, por um lado, que desde 2003 a situação econômica mundial melhorou para os países emergentes, o que favoreceu sobremaneira a viabilização desses programas, mas não se pode desconectar essa melhora mundial da implantação brasileira de políticas sociais.
Com efeito, ao mesmo tempo que o cenário econômico mundial contribuiu para a melhoria nacional, não se pode olvidar que o crescimento brasileiro foi muito favorecido justamente por encontrar um cenário de expressivo aumento de ocupação, do emprego formal, das transferências de renda. Esse aumento do emprego formal ocorreu em quase todos os grupos de ocupação.
Nesse cenário, portanto, o crescimento econômico do período ocorreu com uma maior estabilidade monetária, com redução do patamar inflacionário, conduzindo a uma notável recuperação da renda média do trabalho, o que fez com que os impactos da crise econômica mundial de 2008 fossem menos sentido.
Embora em escala menor, foi inevitável que a crise mundial refletisse na economia do Brasil. O primeiro impacto foi uma contração abrupta e substancial da oferta de crédito, com grande incerteza sobre a solvência de alguns grupos, o segundo impacto ocorreu relativamente ao comércio exterior, devido à queda no volume de comércio internacional e à redução vertiginosa dos preços das “commodities” geradas pela recessão nos países avançados.
Ante essa crise internacional e seus efeitos na economia brasileira o governo Lula adotou uma política de combate a esses efeitos, mediante medidas expansionistas das áreas fiscal, monetária e creditícia.
Política essa que perdurou até o final de 2010, quando o governo Lula passou a adotar uma política macroeconômia mais restritiva.
Foi nesse cenário que Dilma começou seu governo, dando continuidade a essas medidas austeras, que logo viu o cenário mundial voltar a retrair, após uma breve recuperação.
Mesmo com uma série de percalços, o primeiro governo Dilma, findo em 2014, foi capaz de uma série de reformas estruturais, a exemplo da reforma da Previdência do setor público, com a criação da Funpresp, da reforma do sistema brasileiro de concorrência, a autorização para a criação do cadastro positivo de pessoas físicas junto ao sistema financeiro e a regulamentação da margem de preferência para produtos nacionais nas compras do governo federal.
O que se pode concluir, portanto, é que, levando-se em consideração o cenário econômico mundial, bem como todo o histórico anterior ao período ora relatado, é que enquanto houve políticas econômicas voltadas às áreas sociais, mormente a de geração de empregos, o país resistiu às crises enfrentadas. O que não ocorreu, todavia, com os períodos que sucederam...


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Tempos Modernos?




O conceito, elaborado por Hobsbawm, de divisão temporal da sociedade é de crucial importância e claridade.
A divisão apontada pelo autor define o século XIX como o “longo século”, que vai de 1776, com a Revolução Americana, até 1914, com o início da 1ª Guerra Mundial. Aponta, ainda, o citado autor, a divisão em eras, considerando-se, notadamente, o aspecto econômico da sociedade.
Nesse sentido, faz uma divisão que vai do início do que chamou de “longo século”, 1776, até 1848, denominado de Era das Revoluções, considerando a própria Revolução Americana, que deu início ao período, a Revolução Francesa de 1789, com todo seu ideal libertário, mas, principalmente, a Revolução Industrial, que modificou todo o cenário mundial, aí incluindo o aspecto social e econômico.
Em seguida, surge a ideia de Era do Capital, apontada como indo de 1848 até o final do século XIX, com o surgimento de um claro Capitalismo hierarquizado, para o qual foi dado o nome de Era dos Impérios, que, exatamente pela existência de impérios econômicos tão claros, como Reino Unido, União Soviética (Império Russo), França, Alemanha, entre outros, eclodiu numa grande guerra, a 1ª Guerra Mundial.
Após, seguiu-se a Era dos Extremos, que só termina com a queda do Muro de Berlim, em 1989.
Importante ressaltar que esse grande período foi dividido em outros, quais sejam, a Era da Catástrofe, que engloba as duas grandes guerras mundiais, aqui incluída a Revolução Russa de 1917 e a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929; a Era do Ouro, que foi do fim da 2ª Guerra até 1973 e, por fim, a Era do Desmoronamento, que culminou com o início de uma ordem econômica e social neoliberal.
Por fim, hoje, vive-se o que alguns chamam de IV Revolução, que, tecnológica como a III, tem por fim o aumento de produtividade, ligada, todavia, à automação dos meios de produção, conceito estreitamente ligado à ideia de inteligência artificial.
Fazendo um paralelo com o Direito do Trabalho, sua história e evolução, também é possível uma divisão em fases, como a que faz o doutrinador Ministro Maurício Godinho Delgado.
A 1ª fase (no Brasil de 1888-1930) – Manifestações incipientes ou esparsas – começa com a expedição do Peel´s Act (1802), diploma legal inglês voltado a fixar certas restrições à utilização do trabalho de menores.
A 2ª fase – Sistematização e Consolidação – caracteriza-se pela organização, tipificação e, como o próprio nome diz, consolidação desse ramo.
O marco inicial situa-se não somente no Manifesto Comunista (1848) como também no movimento de massas denominado cartista, na Inglaterra e, ainda, na Revolução de 1848, na França.
Um fato relevante dessa fase é o crescente reconhecimento, em distintos países europeus, do direito de livre associação sindical dos trabalhadores.
Outro importante marco dessa fase é o surgimento, em 1891, da Encíclica Rerum Novarum, editada pelo Papa Leão XIII. Trata-se de um documento da igreja católica (de forte influência na época), exigindo do Estado e das classes dominantes, postura mais compreensiva sobre a necessidade de regulação das relações trabalhistas.
A 3ª fase (no Brasil de 1930-1945 (fim da ditadura getulista)) – Institucionalização do Direito do Trabalho – Inicia-se logo após a 1ª Guerra Mundial. É nela que o Direito do Trabalho ganha absoluta cidadania nos países de economia central.
Forma-se a OIT; produz-se a constitucionalização do Direito do Trabalho e; finalmente, a legislação autônoma e heterônoma trabalhista ganha larga consistência e autonomia no universo jurídico do século XX.
Por fim, a 4ª fase enunciada por Godinho, chamada de crise e transição, abrange o final do século XX, cujo marco é fixado nos anos 1979 e 1980.
A globalização e a revolução tecnológica trouxeram imensas mudanças para o cenário do ramo juslaboral.
Com efeito, além do profundo impacto sofrido pela economia com a crise do petróleo do 1973/74 e não superado nos anos que se seguiram, uma profunda renovação tecnológica ameaçava fortemente o mercado de trabalho. Não se sabiam quais seriam as consequências desse novo cenário nas relações trabalhistas.
Aliado a isso, houve a consolidação política, nos principais centros do sistema capitalista, mediante vitórias eleitorais, a exemplo de Margareth Thatcher, na Inglaterra, 1979; Ronald Reagan, nos EUA, em 1980; Helmut Kohl, na Alemanha, em 1982; trazendo consigo a hegemonia político-cultural de um pensamento desregulatório do Estado de Bem-Estar Social.
No fundo, o que despontara, no início, para alguns, como crise para a ruptura final do ramo trabalhista, tem-se firmado, cada dia mais, como essencialmente uma transição para um Direito do Trabalho renovado.
Hobsbawm, todavia, ao escrever suas obras, não tinha se deparado com a atual realidade brasileira, em que, conquanto permaneça ativa a Justiça do Trabalho, a cada dia tem menos voz, força e instrumentos para efetivar a tão buscada justiça social.