terça-feira, 24 de abril de 2012

Retalhos de uma mente mal disposta (em busca de perdão)

Muitos são os impulsos que nos levam a escrever.

Imediatamente, a válvula propulsora desta oportunidade, foi a queixa (a mim direcionada) de que este espaço compartilhado mais se assemelhava à um diário.

Pois bem, cá estou!

De forma mediata, contudo, precisava delimitar o mote...

Quanta dificuldade!

Invariavelmente, as primeiras sugestões de minha mente sempre tendem à maçante e exaustiva reflexão existencial...

Pensei: quem sabe fumando um cigarro eu não consiga me desatar deste enfadonho instinto?

"Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto"


Mas o cigarro acabou, levando com ele toda aquela transitória liberdade.

Deparo-me, novamente, com as insistentes reflexões - ainda mal disposto - e o pior de tudo, sem competência para ter, ao menos, a metafísica...

Ah, metafísica, em sua busca, fritei meus neurônios, inquietei minha alma e até de morno convicto, para radical, tentei me converter...

É que eu penso em tanta coisa, em tantas possibilidades e consequências e a todo instante, que meu "chamado selvagem" acaba domesticado...

Mas a vida é uma loucura fascinante, irremediavelmente triste e inesperadamente feliz...a qual sinto atormentada vontade de desfrutá-la - mesmo sem saber o que...

"Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,

Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida."


É, pelo visto sou um atormentado, um ser que procura o sentido íntimo das coisas, mesmo desconfiando, como ensinava um cara muito mais maluco que eu, que o sentido íntimo das coisas é não ter sentido algum...

E o peso que sinto da necessidade de agir, agrava-se pela angústia de não saber qual mecanismo utilizar.

Talvez o nível de minha exigência - muito além de um ponto aceitável, me amarre ao que sempre hesito em fazer.

Não é tarefa fácil...

"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê!"

E isso me pesa ao exílio - me escanteia do sentimento acolhedor que a "normalidade" nos entrega.

Tenho a nítida consciência de que tudo isso é muito perigoso; que toda essa tempestade existencial pode me varrer para o lamentável fim do arrependimento pelo não feito...quero fugir desta "noite terrível"...

"Na noite terrível, substância natural de todas as noites, 
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites, 
Relembro, velando em modorra incômoda, 
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida. 
Relembro, e uma angústia 
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo. 
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver! 
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão. 
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte. 
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures, 
Na ilusão do espaço e do tempo, 
Na falsidade do decorrer. 

Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei; 
O que só agora vejo que deveria ter feito, 
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido — 
Isso é que é morto para além de todos os Deuses, 
Isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem viver..."


Reluto em aceitar tão medíocre epílogo.

Certa vez um amigo perguntou: Pulemos? E eu respondo hoje, pelo menos em discurso, PULEMOS!


Até porque, como dizia o poeta:

"a vida só se dá pra quem se deu; 
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu...
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão"


Agora me deem licença, to indo buscar o meu... 

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Roda Viva!

A força dos costumes de um povo costuma ter mais peso que o de certas leis. Por vezes, uma lei somente é obedecida pelo temor da punição reservada a quem a ignorar. Já os costumes, arraigados na tradição de uma sociedade, são comparáveis aos conselhos de uma pessoa sábia e experimentada, que não ousamos desprezar. Cabe ao legislador ter sabedoria suficiente para dinamizar a vida de uma sociedade: deve ele, ao mesmo tempo, respeitar a índole revelada nos costumes de um povo e não temer a necessidade de propor leis que respondam aos avanços da civilização. (Sr. Carlos Chagas)




A sociedade sempre funcionou de forma dinâmica, sempre mudando seus conceitos e, consequentemente, suas regras. Ocorre que a atualidade tem revelado um dinamismo jamais visto, o que faz com que do legislador, representante do povo, também se exija cada vez mais coragem e ousadia para a elaboração de normas compatíveis com os costumes.
Ainda que a princípio uma nova prática na sociedade cause certo impacto, mesmo aquela que reflete evolução, como é o caso do reconhecimento legal da união de pessoas do mesmo sexo, faz-se mister que o legislador, como representante do povo, deva almejar recepcionar a mudança que se revela no cotidiano. Dessa forma, ela terá a ousadia de aplicar essas transformações por meio da criação de novas normas que regulem tais situações e as tornem definitivamente legítimas.
A força dos costumes em uma sociedade tem poder tamanho que quase sempre é também mais grave que os castigos impostos pela lei, a exemplo da prostituição, que apesar de não ser proibida por lei, tem, e sempre teve, aos olhos da sociedade, sanções fortíssimas, de forma a deixar às margens do convívio social as pessoas que dessa atividade sobrevivem.
Insta ressaltar, por fim, que os próprios costumes são uma das fontes do direito, que se traduz não apenas em casos de omissão legal, mas também nas hipóteses em que leis formalmente vigentes caem em desuso.
Pelo exposto, pode-se concluir que o dinamismo das relações sociais tem que ser, obrigatoriamente, acompanhado pela elaboração de novas regras que de fato traduzam os avanços da civilização.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Resumo alguns sentimentos modernos em matéria de justiça.

O julgamento que conta é o da nossa consciência. A prova disso: fazemos, desde o século XVII, uma bela diferença entre o que é legal e o que é justo. Condenados por excesso de velocidade na Dutra, entendemos que 130 km/h seja ilegal, mas nós conhecemos as razões de nossa pressa e só nós sabemos se, ilegal ou não, nossa velocidade era justa ou injusta. Nesse caso, a gente erige nosso foro íntimo como corte suprema. As coisas eram mais simples quando, nem tanto tempo atrás, achávamos que a decisão podia ficar na mão de um Deus que se expressaria publicamente. Acusados, caminharíamos sobre a brasa e seríamos inocentados se nossos pés não queimassem. Também devia ser mais simples quando podíamos delegar a justiça (não apenas a legalidade) a um sábio, príncipe ou representante de Deus, ao qual reconheceríamos o poder de proclamar, incontestado, se somos culpados ou inocentes. Ora, tantas cortes singulares e inevitavelmente contraditórias não poderiam regrar eficazmente nossa vida social; resignamo-nos, portanto, a um compromisso: consideramos justo e toleramos que um júri de outros humanos (cujo foro íntimo seria comparável ao nosso) escute as acusações e os argumentos de defesa e, assim, nos condene ou nos inocente. (Contardo Calligaris, Terra de ninguém)





Julgamentos Subjetivos


Trata-se de um tema, sem dúvidas, de inesgotável discussão, cujo empenho da filosofia, da psicologia, das ciências sociais em geral, é apenas abrandar e tornar possível essa convivência com o que se é justo para determinado indivíduo ser absolutamente díspar em relação a outro.

A diferença entre o que é legal e o que é justo tem, sob determinado prisma, critérios objetivos; possui num outro olhar, no entanto, uma carga altamente subjetiva. A princípio, o que é legal, aquilo que se encontra literalmente disposto em regras jurídicas, só ao juiz cabe, e ainda assim num campo bastante restrito, analisar se há ou não justiça. O que ocorre de forma oposta no momento da elaboração de determinada norma, em que sujeitos analisam o que é importante para a sociedade e elaboram regras que devam ser seguidas, segundo critérios subjetivos, conquanto democráticos.

Na atual sociedade ocidental, o poder de julgamento tornou-se fato de abrangência tamanha que é mister que se crie restrições quanto a sua legitimação. É inerente ao ser humano o conflito que se cria diante de situações que não se coadunam com os seus valores, sejam morais, éticos ou religiosos. Com isso, e diante da impossibilidade de haver julgamentos legítimos acerca de cada um e perante cada sujeito que se faz corte, a única medida eficaz é delegar tais julgamentos a pessoas pré-determinadas para o feito.

A ideia que se extrai, então, é a impossibilidade de se impor limites a que sejam feitos julgamentos individuais, posto que aos pensamentos, aos sentimentos, às razões, não se é dado colocar rédeas, não obstante a inafastável necessidade que há em colocá-las, o que se faz outorgando-se esse ônus a terceiros devidamente legitimados.